onde nos leva a arte

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pegajosa!











No domingo houve muita coisa. Inquietação. Espera. Projecção de expectativas e certezas de que íamos gostar. Houve nostalgia por algo que não é uma repetição, mas que nos obriga a pensar quem éramos nós há 4 anos num Pavilhão Atlântico bem melhor organizado e com menos gente. Fomos numa peregrinação que sabemos ser irracional, mas que me habituei a incluir na minha vida, afinal é muito raro um evento mexer aqui dentro deste modo, forçando-me a uma viagem que apenas faria por amor ou turismo e mesmo assim...adiante. Procurávamos...identificação. Ver e ouvir, sentir que até mesmo aquilo que não questionamos em nós é de facto um dado adquirido, é esta a maior artista dos nossos tempos. Porque o que entendo pelo termo engloba tudo o que entendo por Madonna. E ao vivo, como ela diz, "gosto de pensar nos meus concertos como uma instalação de arte". Quem imagina, com sobranceria, um concerto umbiguista, está ingenuamente carregado de verdade por achar que ela se importa ou que poderia ser de outro modo com alguém que para comprar roupa tem de mandar fechar a loja só para se movimentar lá dentro como quer, inicialmente por vedetismo mas sempre porque será impossível alguém como Madonna ter uma vida normal. E é óbvio que pagará sempre esse preço, altíssimo a meu ver, de nunca ser apenas uma mulher normal.


No domingo vi mais uma vez que esse ego dá lugar a outros, quando muda de roupa e coloca bailarinos em início de carreira a fazerem solos espectaculares e originais, reprovados com toda a certeza pelas regras rígidas do ballet clássico mas motivados pelas regras rígidas da patroa ("procuro alguém que se destaque pela originalidade no meio dos castings, alguém como eu era quando comecei, que não me conseguia misturar nos grupos sem me destacar e por isso fui rejeitada tantas vezes"). O palco é um circo e tem muitas personagens, uma família de romenos em danças e violinos animados, bailarinas vestidas de "Madonnas" no irónico "She's Not Me" (até me arrepiei quando me lembrei do meu texto meio amargo Cuidado com as Imitações) com as roupas arrancadas pela versão original de si mesma, ou a versão que inventa entre o botox perfeitamente colocado e uns 50 anos bem suados numa obsessão pelo corpo que ultrapassa as imaginações mais férteis. Vimos saltos à corda, rodas de dança e guitarradas da própria, instrumento que aprendeu a tocar aquando da gravação de álbum American Life.


Amiga do pintor, desenhador e escultor (vítima de SIDA) Keith Haring a quem dedicou já vários concertos (veja-se a Blond Ambition Tour), homenageou-o justamente e sem palavras mostrando algumas imagens emblemáticas por ele criadas, bem como Britney Spears, acarinhada na canção Human Nature com uma imagem da mesma, de cabelo solto, rosto ameninado, lavado e marcado pelos deslizes, também em vídeo, enquanto Madonna nos relembrava que a (fraca) natureza humana consiste em errar. E em sermos julgados. E em aprendermos a viver sem/com arrependimentos. Como? Os mais atentos saberão que falo de uma canção que marcou o regresso de Madonna pós-Erotica, a sua fase menos compreendida ou apenas decadente e em que havia sido crucificada pela opinião pública.


Não sei se os verdadeiros fãs são os que acampam dias antes à porta dos recintos onde decorrerão os concertos. Creio que todas as 75 mil pessoas que assistiram ao concerto e outras tantas que não puderam vir, se revêm nela em fantasia, ou têm curiosidade, ou esperam que ela, nas canções e coreografias diga aquilo que pensamos, vivemos, sofremos, resistimos, de uma forma directa e com rima. Pela minha parte, relembro o dia em que assisti ao lançamento do Erotica em Portugal, ainda uma miúda, e senti no ar algo de muito diferente e arrojado que não entendia ou conhecia ainda. Mais do que maminhas ao léu ou simulações de sexo oral, um desejo de todos nós concretizado por uma artista loira: rasgar o véu da educação judaico-cristã e mexer no meio das pernas porque sabe bem e dizê-lo. Hoje em dia , bem ou mal aproveitada a liberdade que temos, já não é isso que ela nos dá, apenas relembra e utiliza o poder para coisas melhores, salvaguardando o próprio ego, tentando fugir dele, é humano, quantos de nós não gostamos de falar sobre as nossas próprias qualidades quando sublinhamos que fizemos isto ou aquilo por alguém. Que dirá Madonna, no meio de tantos milhões. Ela que use a caridade como marketing, pelo menos fá-lo. No domingo relembrou Gandhi, Teresa de Calcutá, Dalai Lama, acho que todos aspiramos a entender a bondade, mesmo que não consigamos. Ela que adopte David Banda e outros, seja por moda ou porque pode e tem coisas boas para dar, é menos um num país onde as crianças são afectadas pelo HIV, violadas e vivem na rua. Enquanto isso pode ajudar em alguma coisa o Malawi, internamente. Está armada em boazinha, pronto! Antes isso do que armada em indiferente, fingindo de boazinha.
Eu gosto da arte de Madonna e de Madonna tal como ela é. Um ser inacessível, invulgar, metódico, criativo, sedento de novos ciclos, descarado, mãe de família.
Erótica, cristã, insistente, vaidosa, pegajosa & doce.

1 comentário:

ameixa seca disse...

Confesso que não sou grande fã mas admiro-a como artista e como pessoa. Atingiu o patamar que tanto sonhou e isso faz dela uma grande pessoa! Mai nada!