onde nos leva a arte

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

À Procura da Batida Perfeita



Marcelo D2 directamente do país da Tropa de Elite. A pergunta que se impõe é: não andamos todos à procura do mesmo?

fiquem bem!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A busca da espiritualidade

"Aí está o Templo. Visto assim de perto, do plano inferior em que estamos, é uma construção que dá vertigens, uma montanha de pedras sobre pedras, algumas que nenhum poder do mundo pareceria ser capaz de aparelhar, levantar, assentar e ajustar, e contudo estão ali, unidas pelo próprio peso, sem argamassa, tão simplesmente como se o mundo fosse todo ele uma construção de armar, até às altíssimas cimalhas que, olhadas de baixo, parecem roçar o céu, como outra e diferente torre de Babel que a protecção de Deus, contudo, não logrará salvar pois um igual destino a espera, ruúina, confusão, sangue derramado, vozes que mil vezes perguntarão, Porquê, imaginando que há uma resposta, e que mais cedo ou mais tarde acabam por calar-se, porque só o silêncio é certo. José foi deixar o asno a guardar num caravançarai de bestas que no tempo da Páscoa e outras festas não teria nem espaço para sacudir-se um camelo as moscas com o rabo, mas que nestes dias, passado o prazo do recenceamento e regressados os viajantes às suas terras, não tinha mais que a sua ocupação normal, neste momento, aliás, bastante diminuída em virtude da hora matutina. Porém, no Pátio dos Gentios, que rodeava, entre o grande quadrilátero das arcadas, o recinto do Templo propriamente dito, havia já uma multidão de gente, cambistas, passarinheiros, marchantes que vendiam borregos ou cabritos, peregrinos que sempre vinham por um motivo ou outro, e também muitos estrangeiros aqui trazidos pela curiosidade de conhecer o templo mandado construir pelo rei Herodes, de que em todo o mundo se fala. Mas sendo o pátio o que era, aquela imensidão, alguém que se encontrasse do lado oposto não pareceria maior que um minúsculo insecto, como se os arquitectos de Herodes, tomando para si o olhar de Deus, tivessem querido sublinhar a insignificância do homem perante o Todo-Poderoso, mormente em se tratando de gentios. Porque os judeus, se não vêm apenas a passear como ociosos, têm no centro do pátio o seu objectivo, o centro do mundo, o umbigo dos umbigos, o santo dos santos. Para lá vão caminhando o carpinteiro e a sua mulher, para lá vai sendo levado Jesus, depois de ter seu pai comprado duas rolas a um comissário do templo, se a designação é apropriada para quem serve o monopólio deste religioso negócio. As pobres avezinhas não sabem ao que vão, embora o cheiro de carne e de penas queimadas que paira no ar não devesse enganar ninguém, sem falar de cheiros muito mais fortes, como o do sangue, ou o da bosta dos bois arrastados para o sacrifício e que de premonitório medo se borram desgraçadamente. José é que leva as rolas, aconchegadas no côncavo das suas grossas mãos de obreiro, e elas, iludidas, dão-lhe de pura satisfação, umas bicadas suaves nos dedos, encurvados em forma de gaiola, como se quisessem dizer ao novo dono, Ainda bem que nos compraste, contigo queremos ficar. Maria não dá por nada, agora só para o filho tem olhos, e a pele de José é demasiado dura para sentir e decifrar o morse amoroso do casal de rolinhas."

Saramago, José, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Edição Círculo de Leitores, Novembro 1991

Boas noites!

Com este excerto começo o meu segundo post neste espaço.
Este Outono deixou-me com vontade de reler alguns dos livros que tinha cá por casa. E como o caminho da vontade à acção, normalmente, é pequeno, cá está o resultado.
Contra a argumentação de muitos que afirmam que "reler é perder tempo", eu afirmo que "reler é redescobrir e aprofundar". Isto tem-me acontecido, especialmente neste livro.
Penso que nenhum dos leitores deste blog precise de ser elucidado sobre o peso que esta obra teve na vida de Saramago. Não raras vezes os escritores são perseguidos pelo que escreve, mas raras são as vezes em que essa perseguição é movida pela igreja e pelo poder político... pelo menos não é comum no século XX.
Criticada pela igreja, recusada pelo Ministro da Cultura da altura, foi a celeuma criada à volta dela que precipitou o exílio forçado do seu autor em Lanzarote.
Na primeira leitura que fiz não compreendi claramente os motivos que levaram a tal exagero por parte dos poderes seculares e religiosos. Com esta segunda leitura torna-se mais claro, mas ainda assim intolerável. Compreendo que, para algumas pessoas, uma abordagem humana e despida de considerações supra-humanas da figura de Jesus, seja motivo de revolta; compreendo que a ironia feroz que escorre de muitas passagens dedicadas à igreja, a entidade, por assim dizer, económica, fundada no gesto desse tal Jesus, deixe muita gente chocada com a impiedade desse comuna; compreendo também que certos ministros se rendam a alas mais duras que gostam de silenciar qualquer foco de pensamento diverso - sim, ainda acontece.
Mas em nenhum destes motivos está presente o valor literário desta obra. Neste Evangelho, temos um Jesus homem, com dúvidas e medos de homem, que vê o seu destino a ser degladiado entre Deus e o Diabo que tentam aumentar as fronteiras das suas influências. Jesus, o peão de uma manobra de marketing divina. A obra literária preenche o hiato deixado por Jesus filho de Deus. Este é o homem que cresce e compreende o mundo; que se deixa entregar a Deus, à ascenção divina, e ao Diabo, ao amor perfeito e carnal por uma prostituta de Magdala. Acima de tudo, entre ironia e até um sarcasmo feroz, o que se pode ler no subtexto da obra é que quase todas as personagens que surgem são reabilitadas pelo amor - o amor que nos une enquanto filhos do mesmo deus menor. Jesus é um deus sem aura; um homem; um herói dos tempos antigos em que os deuses eram feitos à nossa imagem e não o contrário.
A prosa de Saramago está plena de força neste livro... mas tudo isto já foi dito por outros críticos melhores que eu. Falo como leitor... e um bem longe do sistema religioso ainda vigente. Com passagens plenas de força, que nos tocam pela forma sublime com que falam dos mais complicados sentimentos humanos, saramago consegue, digo eu, aproximar-nos de uma espiritualidade que de bacoca não tem nada- e que cada vez mais está afastada das letras portuguesas.
Jesus é humano, demasiado humano nesta obra. É alguém que tem de levar e cumprir um destino que nunca pediu e que dificilmente aceita. Somos todos nós a comer do pão nosso de cada dia.

Fiquem bem!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pegajosa!











No domingo houve muita coisa. Inquietação. Espera. Projecção de expectativas e certezas de que íamos gostar. Houve nostalgia por algo que não é uma repetição, mas que nos obriga a pensar quem éramos nós há 4 anos num Pavilhão Atlântico bem melhor organizado e com menos gente. Fomos numa peregrinação que sabemos ser irracional, mas que me habituei a incluir na minha vida, afinal é muito raro um evento mexer aqui dentro deste modo, forçando-me a uma viagem que apenas faria por amor ou turismo e mesmo assim...adiante. Procurávamos...identificação. Ver e ouvir, sentir que até mesmo aquilo que não questionamos em nós é de facto um dado adquirido, é esta a maior artista dos nossos tempos. Porque o que entendo pelo termo engloba tudo o que entendo por Madonna. E ao vivo, como ela diz, "gosto de pensar nos meus concertos como uma instalação de arte". Quem imagina, com sobranceria, um concerto umbiguista, está ingenuamente carregado de verdade por achar que ela se importa ou que poderia ser de outro modo com alguém que para comprar roupa tem de mandar fechar a loja só para se movimentar lá dentro como quer, inicialmente por vedetismo mas sempre porque será impossível alguém como Madonna ter uma vida normal. E é óbvio que pagará sempre esse preço, altíssimo a meu ver, de nunca ser apenas uma mulher normal.


No domingo vi mais uma vez que esse ego dá lugar a outros, quando muda de roupa e coloca bailarinos em início de carreira a fazerem solos espectaculares e originais, reprovados com toda a certeza pelas regras rígidas do ballet clássico mas motivados pelas regras rígidas da patroa ("procuro alguém que se destaque pela originalidade no meio dos castings, alguém como eu era quando comecei, que não me conseguia misturar nos grupos sem me destacar e por isso fui rejeitada tantas vezes"). O palco é um circo e tem muitas personagens, uma família de romenos em danças e violinos animados, bailarinas vestidas de "Madonnas" no irónico "She's Not Me" (até me arrepiei quando me lembrei do meu texto meio amargo Cuidado com as Imitações) com as roupas arrancadas pela versão original de si mesma, ou a versão que inventa entre o botox perfeitamente colocado e uns 50 anos bem suados numa obsessão pelo corpo que ultrapassa as imaginações mais férteis. Vimos saltos à corda, rodas de dança e guitarradas da própria, instrumento que aprendeu a tocar aquando da gravação de álbum American Life.


Amiga do pintor, desenhador e escultor (vítima de SIDA) Keith Haring a quem dedicou já vários concertos (veja-se a Blond Ambition Tour), homenageou-o justamente e sem palavras mostrando algumas imagens emblemáticas por ele criadas, bem como Britney Spears, acarinhada na canção Human Nature com uma imagem da mesma, de cabelo solto, rosto ameninado, lavado e marcado pelos deslizes, também em vídeo, enquanto Madonna nos relembrava que a (fraca) natureza humana consiste em errar. E em sermos julgados. E em aprendermos a viver sem/com arrependimentos. Como? Os mais atentos saberão que falo de uma canção que marcou o regresso de Madonna pós-Erotica, a sua fase menos compreendida ou apenas decadente e em que havia sido crucificada pela opinião pública.


Não sei se os verdadeiros fãs são os que acampam dias antes à porta dos recintos onde decorrerão os concertos. Creio que todas as 75 mil pessoas que assistiram ao concerto e outras tantas que não puderam vir, se revêm nela em fantasia, ou têm curiosidade, ou esperam que ela, nas canções e coreografias diga aquilo que pensamos, vivemos, sofremos, resistimos, de uma forma directa e com rima. Pela minha parte, relembro o dia em que assisti ao lançamento do Erotica em Portugal, ainda uma miúda, e senti no ar algo de muito diferente e arrojado que não entendia ou conhecia ainda. Mais do que maminhas ao léu ou simulações de sexo oral, um desejo de todos nós concretizado por uma artista loira: rasgar o véu da educação judaico-cristã e mexer no meio das pernas porque sabe bem e dizê-lo. Hoje em dia , bem ou mal aproveitada a liberdade que temos, já não é isso que ela nos dá, apenas relembra e utiliza o poder para coisas melhores, salvaguardando o próprio ego, tentando fugir dele, é humano, quantos de nós não gostamos de falar sobre as nossas próprias qualidades quando sublinhamos que fizemos isto ou aquilo por alguém. Que dirá Madonna, no meio de tantos milhões. Ela que use a caridade como marketing, pelo menos fá-lo. No domingo relembrou Gandhi, Teresa de Calcutá, Dalai Lama, acho que todos aspiramos a entender a bondade, mesmo que não consigamos. Ela que adopte David Banda e outros, seja por moda ou porque pode e tem coisas boas para dar, é menos um num país onde as crianças são afectadas pelo HIV, violadas e vivem na rua. Enquanto isso pode ajudar em alguma coisa o Malawi, internamente. Está armada em boazinha, pronto! Antes isso do que armada em indiferente, fingindo de boazinha.
Eu gosto da arte de Madonna e de Madonna tal como ela é. Um ser inacessível, invulgar, metódico, criativo, sedento de novos ciclos, descarado, mãe de família.
Erótica, cristã, insistente, vaidosa, pegajosa & doce.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Dúvida!

Depois desta pérola:



"Tens uma voz linda para ser testemunha de Jeová!"



Elogio?

Insulto?

Piada?



Podia ter dito que tinha uma voz linda para fazer dobragens, rádio ou para ser contadora de histórias!

Acho que encontrei o meu futuro :)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Isto anda tudo (des)ligado


Começo o texto assumindo que ia preparada para gostar do filme, porque o actor principal me fascina. O Wagner Moura tem qualquer coisa que não consigo explicar e me prende a respiração e, sim, conheço-o das "nobelas". Em vários outros pontos da internet encontrei críticas ao filme que referiam sempre o Cidade de Deus como sendo um filme melhor. É, é mais leve. Mais poético. Mas eu não gostei do Cidade de Deus. E no Tropa de Elite, de José Padilha, encontrei aquilo que desconhecia (que nunca tinha VISTO) e aquilo que, no fundo, sinto desde há algum tempo em relação à hipocrisia que se vive na sociedade moderna sobre o combate ao crime. Por um lado queremos ouvir os sociólogos dizerem-nos que os criminosos só o são por culpa de todos nós e que os polícias são uns monstros que batem e matam sem olhar a quem. Pensamos, com as nossas cabecinhas formatadas de meninos a quem nunca faltou nada (de básico, vá lá, all star não contam), que isto, a continuar assim, vai ser um faroeste com a polícia a resolver os problemas à sua maneira. Por outro lado, sentimo-nos secretamente vingados quando os polícias resolvem (alguma) coisa, com violência, ou não. Claro que não concordo com isto. Claro que não. Eu tenho uma cabeça democrática, apesar de a realidade não o ser. Apesar de ter visto, por exemplo, uma reportagem em Salvador da Bahia, sobre prostituição, e em que uma das histórias era protagonizada por uma mãe que deixava o filho de 8 meses num quarto de hotel com um desconhecido pedófilo em troco de dinheiro, durante umas horas. Isto, como sabemos nós, europeus, resolve-se com um tratamento psiquiátrico. Claro que se resolve. O que sabemos nós da realidade da América latina? O que nós queremos é ir lá passar férias, dançar um tango, beber umas coisas, andar pelo Peru à boleia porque gostamos muito de ler a Profecia Celestina. Quando saí do cinema, vinha a pensar como sou insignificante. E a vontade de vomitar não era por causa do sangue, mas sim porque tanto me parece obscena a subjugação do mais fraco pelas armas, como a falsa inocência do cidadão que insiste em viver como se os seus vícios, que não o matam a si próprio, não matassem pessoas inocentes, como, ainda, o jornalista que, no meio da tragédia, abre o saco onde está um dos mortos, para lhe fotografar o rosto. É que, como disse alguém, isto anda tudo ligado.