Já aconteceu a todos. Estagiários ou não. Podem ser trabalhadores a contrato ou a recibos; certos ou incertos todos na certeza do dinheiro que entrará ou não na voraz boca do banco.
Damos por nós a pesquisar os tempos mortos, a aproveitar uma pausa rápida para espreitar quem conseguiu avançar e fazer algo de válido, algo que gostariamos de ser pagos para fazer. Algo que efectivamente faz uma diferença no panorama das coisas e nas informações dos sites de jornais e tv's online, onde se cultiva a paranóia, o sexismo inconsciente, o medo. Afinal de contas, todos nós temos sonhos e queremos fazer o que, efectivamente, faz a diferença.
Quebrando o silêncio que já se fazia sentir da minha parte há algum tempo, deixo aqui uma entrevista de Paulo Moura, jornalista do Público, e o link para o seu blog.
O Louco Global
"O homem entrou no metro mas não começou logo. Esperou que pensassem que era um utente normal. Então lançou, aos gritos: “Mais 20 mil soldados para o Iraque? Vão regressar todos em sacos de plástico. Todos!” Estava a falar com alguém? Não. Gritava para quem quisesse ouvir. “Acabaremos também por ir lá parar!” E continuou, sem baixar o volume, num discurso ininterrupto, como se se dirigisse a uma plateia interessada. E talvez fosse o caso.
O homem tinha a barba por fazer e vestia roupas sujas e rotas. Levou escassos segundos a que os passageiros o classificassem mentalmente como um “louco do metro”. Como tantos outros do género, no metro de Lisboa. Entram numa estação, fazem um discurso e saem na seguinte. Ninguém reage, obviamente. Ninguém o interrompe para dizer “desculpe, não concordo inteiramente com esse ponto...”. Também ninguém diz: “Cale-se, que me está a incomodar”. As pessoas evitam até cruzar o olhar com o dele. Se identificasse um interlocutor, o homem poderia desatar a falar para ele, a fazer-lhe perguntas, ou a insultá-lo, o que seria muito embaraçoso. Ou poderia mesmo desferir-lhe um murro certeiro no nariz, caso lhe ocorresse interpretar o silêncio aflito do transeúnte como prova irrefutável da sua conivência com a política de Bush para o Iraque.
Era um louco do metro e portanto o melhor era não ligar. Falou mais um pouco sobre o Iraque e depois passou para a reforma da administração pública em Portugal, não sem antes se deter brevemente no problema do nuclear do Irão. Podia ser maluco, mas não havia dúvidas de que estava muito bem informado. Mais do que as pessoas normais.
Lembrei-me de entrevistas que ouvi do Gato Fedorento ou dos redactores do Contra-Informação, em que descrevem o seu método de trabalho: sentam-se todas as manhãs a uma mesa, com a imprensa do dia, e estudam as notícias e os temas sobre os quais vão depois construir o discurso humorístico. Será que o maluco do metro faz o mesmo? Começa a manhã com uma pesquisa exaustiva em jornais e revistas, na internet, em livros especializados, sublinhando, tirando notas, para depois elaborar o seu discurso louco do dia?
Tenho pensado muito nesta questão. Porque andam os loucos hoje tão bem informados? Por serem loucos? Ou foi a informação que os enlouqueceu? Uma coisa é certa: a demência não impede um discurso articulado e crítico sobre o mundo. Impedi-lo-á a sanidade?
Será a imposição de limites ao horizonte uma condição para a nossa saúde mental?
Ninguém sobreviveria se soubesse de tudo o que se passa no mundo. Hoje, as informações estão disponíveis em doses capazes de nos destruir. Não é possível compreender a sociedade global sem o recurso a teorias da conspiração, projectos terroristas, filosofias paranóicas. O nosso modelo axiológico apenas está preparado para o universo do indivíduo e do seu reduzido ângulo de visão. Não mais. Em todas as épocas há lendas sobre homens que subiram ao topo de uma montanha e enlouqueceram.
Talvez a ignorância seja, portanto, um recurso dos mais aptos. Fechamo-nos, por instinto de sobrevivência. A liberdade tornou-se um handicap evolutivo. Privilégio dos loucos, que só têm a perder uma audiência muda de curiosidade. “Cambada de estúpidos”, rosnou entre dentes o louco do metro antes de se apear na estação seguinte."
(PÚBLICO, 2007)
onde nos leva a arte
segunda-feira, 27 de abril de 2009
sexta-feira, 17 de abril de 2009
José Franco, 1920 - 2009
Faleceu na madrugada de 14 de Abril, um dos artistas populares portugueses (e por ser popular, mal conhecido) que mais me marcou, em conjunto com Júlia e Rosa Ramalho. Quem conhece a estrada que liga a Ericeira a Mafra, lembra-se de passar pelo Sobreiro, do cheirinho a pão com chouriço, da música de arraial e, principalmente, das obras do oleiro José Franco, um homem de poucas palavras, mas que insirava admiração em todos. Lembro-me de ser pequenina e posar junto aos moinhos, impaciente para entrar na "aldeia em miniatura", e de espreitar sempre para o canto onde ele trabalhava, indiferente aos barulhentos visitantes.
Jorge Amado chamava-lhe "queridinho", e assinou a mensagem da escultura que lhe dedicaram na aldeia típica do Sobreiro:
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José Franco, artista do barro e da vida...
...um grande homem do povo...
...um português que nasceu com o dom misterioso da beleza e a distribui como um bem de todos...
José Franco, artista do barro e da vida...
...um grande homem do povo...
...um português que nasceu com o dom misterioso da beleza e a distribui como um bem de todos...
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(Jorge Amado)
(Jorge Amado)
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As palavras são poucas para agradecer aquilo que me fez sonhar e o quanto contribuiu para uma infância mais cor-de-rosa nas minhas férias de Verão.
A última vez que lá estive já era mãe de uma recém-nascida, e espero que a aldeia do José Franco se mantenha até a minha filha ter idade para a apreciar tal como eu apreciei, quando ia de férias para sul.
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